Questão do ENEM 2011 pode ser considerada mal formulada:
"O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia de Lima Barreto)."
[FRAGA, P. Ninguém é inocente. Folha de S. Paulo, 4 out. 2009 (adaptado).]
O distanciamento entre “reconhecer” e “cumprir” efetivamente o que é moral constitui uma ambiguidade inerente ao humano, porque as normas morais são
A) decorrentes da vontade divina e, por esse motivo, utópicas.
B) parâmetros idealizados, cujo cumprimento é destituído de obrigação.
C) amplas e vão além da capacidade de o indivíduo conseguir cumpri-las integralmente.
D) criadas pelo homem, que concede a si mesmo a lei à qual deve se submeter.
E) cumpridas por aqueles que se dedicam inteiramente a observar as normas jurídicas.
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Algumas resoluções divulgadas na rede indicam o item "B" como correto, porém admitem ambiguidades na questão, o que levou uma das resoluções a considerar a questão como mal formulada. Veja abaixo:
Resolução do Anglo, na página do Globo:
A norma moral, ao contrário da lei formal, não é de cumprimento obrigatório. Dessa forma, abre-se espaço para o distanciamento entre aquilo que é considerado correto e aquilo que efetivamente é praticado como correto.
Comentário: O caráter abstrato do enunciado e das alternativas permite diversas interpretações, provocando ambiguidade.
Na alternativa C, por exemplo, assume-se o caráter amplo das normas morais (o que pode ser considerado correto), seguindo-se a afirmação sobre a incapacidade humana de cumpri-las integralmente. Tal formulação é compatível tanto com a alternativa correta quanto com a afirmação do enunciado, segundo a qual há ambiguidades inerentes ao ser humano.
Da mesma forma, a alternativa D poderia ser considerada igualmente correta, considerando-se o termo “lei” como referência à lei moral.
Resposta: B
Fonte: http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2011/10/confira-correcao-do-primeiro-dia-de-provas-do-enem-2011.html
ou
http://estaticog1.globo.com/2011/10/22/enem/anglo/Q02.pdf
Resolução do Etapa, na página do Globo:
Alternativa B
As normas morais são mandamento que, apesar de conterem em si mesmos a ideia de obrigação, não possuem poder coercitivo.
Fonte: http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2011/10/confira-correcao-do-primeiro-dia-de-provas-do-enem-2011.html
ou
http://estaticog1.globo.com/2011/10/22/enem/etapa/2.gif
Resolução do site Educacional:
Resposta correta: B
A ética é o conjunto de valores e princípios que norteiam a conduta humana, enquanto a moralidade é o uso que se faz desses princípios, o comportamento, a prática de uma ética. Ambas são produtos da interação social ao mesmo tempo em que permitem a sociabilidade. São, portanto, criações humanas. Segundo a noção kantiana de imperativo categórico, as pessoas agem moralmente motivadas pela noção de dever, a qual consistiria no reconhecimento do que é racionalmente correto. Contudo, sendo produto de um cálculo racional, elas possuem um caráter idealizado, cuja obrigação em seu cumprimento, segundo Kant, está justamente nesse reconhecimento do que é o correto.
Fonte: http://www.educacional.com.br/enem/gabarito_enem2011.html
Resolução Colégios GPI, Pensi e Apogeu, na página do Globo:
Antes de qualquer análise, precisamos afirmar que esta questão não atenderá, provavelmente, às perspectivas do TRI. Tanto o aluno que possui maior grau de conhecimento e domínio das habilidades concernentes às Ciências Humanas quanto o aluno com menor especialidade nesta área terão extrema dificuldade em achar a resposta certa. Isso porque a opção “D” – que na falta de uma resposta mais qualificada acatamos como a opção correta – e a opção “B” são respostas verossímeis ao enunciado.
Nós acatamos a opção “D” como gabarito porque as normas morais, apesar de não terem – via de regra – o Campo Jurídico como veículo de imposição de suas diretrizes, são códigos sociais que não podem ser menosprezados pelos indivíduos que buscam ser aceitos pelos seus grupos de convívio.
A opção “B”, por sua vez, não pode ser invalidada porque nas sociedades complexas os códigos culturais, nos quais os preceitos morais são inseridos, não são universais e, portanto, não precisam ser necessariamente seguidos por todos os indivíduos de uma dada sociedade.
Fonte: http://www.colegio24horas.com.br/OGloboCorrecaoEnem2011/
Resolução do Colégio Objetivo:
Respostas: B / D
O texto publicado na Folha de S. Paulo intitula-se “Ninguém é inocente” e se refere à ambigüidade inerente à moralidade, indicando o evidente distanciamento entre “reconhecer” e “cumprir” a norma moral. Como a norma moral se insere na esfera da idealização e, não sendo lei – aí está a ambiguidade –, o seu cumprimento não é obrigatório, a alternativa b seria aceitável, especialmente se, em vez de “obrigação” (pois há a obrigação moral), se referisse a “obrigatoriedade”. A alternativa d também pode ser dada como correta, pois as normas morais são efetivamente criadas pelos homens e as leis são materializações de normas e valores éticos aceitos pelo consenso. Essa alternativa, porém, peca pela mesma imprecisão no que se refere à obrigatoriadade da injunção moral, pois não é claro se a expressão “deve se submeter” se refere à “lei” moral ou à lei propriamente dita.
Fonte: http://estaticog1.globo.com/2011/10/22/enem/NaturezaENEMprova1.pdf
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E o gabarito oficial é... item D.
http://portal.inep.gov.br/
Com isso, confirma-se a suspeita de má elaboração da questão. Apesar do item D formular uma conceituação possível de "norma moral", essa conceituação não justifica aquilo que é requerido pelo enunciado, ou seja, por que "o distanciamento entre “reconhecer” e “cumprir” efetivamente o que é moral constitui uma ambiguidade inerente ao humano".
O item D diz que isso se dá porque as normas morais são "criadas pelo homem, que concede a si mesmo a lei à qual deve se submeter".
Se as normas morais são criadas pelo homem, isso não seria uma razão para que elas sejam reconhecidas e cumpridas?
Os itens B e C apontam, ainda que com algumas imprecisões, para o distanciamento entre o reconhecimento das normas morais e seu cumprimento, e no entanto são considerados errados.
No item B, as normas morais são consideradas "parâmetros idealizados cujo cumprimento é destituído de obrigação"; no item C, são "amplas e por isso vão além da capacidade do indivíduo de conseguir cumpri-las integralmente".
É preciso aprimorar a formulação de questões sobre temas filosóficos e conceituais, para evitar imprecisões e ambiguidades que prejudiquem os candidatos - e o ensino de filosofia nas escolas. De que adianta trabalhar o cuidado na leitura e análise de textos, se os exames de acesso ao ensino superior tratam essa análise com desleixo?
Acho que o quesito deve ser nulo ou considerar ambas as respostas
ResponderExcluirDe fato, a questão parece mal formulada. As opções A,C e E são fáceis de descartar, mas parece haver problemas nas opções B e D. Na D, o termo "idealizados", adjetivando parâmetros, compromete a clareza; por sua vez, o termo "lei" na opção D também compromete a opção, uma vez que no âmbito da moral não se trata exatamente de lei, mas de norma.
ResponderExcluirNão saberia avaliar as repercussões dessas ambiguidades no que se refere ao ensino das ditas "humanidades", mas de todo modo, creio ser importante discutir a falta de clareza das opções, cordialmente, ingrid muller xavier
A alternativa D está correta numa perspectiva kantiana. A alternativa B contém dois problemas. De um lado a palavra "idealizados" pode ser entendida como "imaginários" e no entanto os parâmetros morais nascem da realidade social. Seria diferente dizer "ideais". De outro lado o parâmetro moral contém, sim, um caráter de obrigação, ele é um "tu deves", seja heterônomo ou autônomo. Algumas máximas morais equivalem a leis socias e daí se tornam praticamente coercitivas, outras não têm essa equivalência e portanto não são socialmente coercitivas. O conceito de obrigação me parece dar margem a uma ambiguidade na frase tão curta da resposta B.
ResponderExcluirNão sei o que houve com meu URL, mas o comentário anônimo anterior, e o que aqui vai com assinatura de anônimo, é de Nestor Müller, nestorfilosofia@yahoo.com.br
ResponderExcluirOlá Marcelo!
ResponderExcluirNão concordo que esteja certa a resposta "B", pois: não há ambiguidade em idealizar parâmetros (como por exemplo, normas morais) e o cumprimento desses parâmetros serem destituídos de obrigação.
Parâmetros servem para NORTEAR uma conduta (até mesmo podem nortear a criação de leis), mas são as leis que instituem a obrigatoriedade e não os parâmetros. Se os homens criam leis, baseadas em suas próprias normas morais, ai sim, não cumpri-las torna-se ambíguo!
Ou seja, repito, há ambiguidade (e é esse o ponto que deve ser levado em conta na interpretação da questão) em: os homens criarem leis, baseadas em suas próprias normas morais, e não cumpri-las!
Portanto a questão certa é a de número "D", sem ambiguidades! rs
Forte abraço!
Izabel Lisboa
PS. Postei como anônimo pois não consegui de outra forma.
E o Enem foi lá e tacou a resposta D como correta no gabarito oficial. Puts...
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