O espírito livre é alguém dedicado ao conhecimento, que desdenha a veneração das massas e atravessa o mundo de forma tão silenciosa quanto dele sai. Sendo 'inatual', o espírito livre não tem amarras com a 'opinião pública'. Seu oposto imediato, o homem de convicções, é aquele que crê estar em posse de verdades definitivas e, por isso mesmo, tem por postulado não poder ser refutado. O espírito livre, ao contrário, nunca fixa opiniões em convicções: ele impede essa fixação por constantes variações e só terá ao seu dispor probabilidades exatamente mensuradas. Assim descrito, o espírito livre é, antes de tudo, um experimentador. Nietzsche o opõe ao espírito servo. As cadeias as mais fortes que o espírito deve romper para libertar-se são as cadeias dos deveres, quer dizer, o respeito aos valores antigos e venerados. O espírito livre vai designando, assim, uma vontade de autonomia na determinação de si mesmo e de seus próprios valores, uma 'vontade de vontade livre'. Agora o espírito livre torna-se um experimentador curioso em face dos frutos proibidos: ele se interrogará então se não podemos inverter todos os valores; se o bem não seria o mal; se Deus não seria uma invenção; se não pode ocorrer que tudo seja falso. Sua liberdade de espírito deverá abrir-lhe a via para maneiras de pensar múltiplas e opostas, o que lhe dará o privilégio de viver a título de experiência.
[Carlos A. R. de Moura. Nietzsche: civilização e cultura. SP: Martins Fontes, 2005.]
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