segunda-feira, 28 de março de 2011

Immanuel Kant, Policarpo Quaresma e a hora do relógio


“É difícil narrar a história da vida de Immanuel Kant. Pois não teve nem história, nem vida. Viveu uma vida celibatária mecanicamente organizada, quase abstrata, numa silenciosa ruela afastada de Königsberg, antiga cidade no extremo nordeste da Alemanha. Não creio que o grande relógio da catedral de lá se desobrigasse dos afazeres diários de forma mais impassível e metódica do que seu conterrâneo Immanuel Kant. Levantar-se, tomar café, escrever, lecionar, comer, passear: tudo tinha hora certa, e os vizinhos sabiam muito bem que o sino soava três e meia quando Immanuel Kant assomava à porta de casa em sua sobrecasaca cinza, com a bengalinha espanhola na mão, e caminhava rumo à pequena alameda de tílias, que por sua causa ainda hoje se chama “Passeio do Filósofo”. Por oito vezes ia e vinha, em qualquer época do ano, e se o tempo estivesse nublado ou nuvens escuras anunciassem chuva, via-se o criado, o velho Lampe, seguir-lhe tímida e cuidadosamente os passos, tendo sob o braço um comprido guarda chuva, como numa imagem da Providência.
Que singular contraste entre a vida exterior desse homem e seus pensamentos destruidores, seus pensamentos tritura-mundo! Com efeito, se os cidadãos de Königsberg vislumbrassem todo o significado de tais pensamentos, sentiriam um medo muito mais terrível desse homem do que de um carrasco, de um carrasco que só decapita homens – a boa gente, porém, não via nele senão um professor de filosofia e, quando passava, à hora marcada, cumprimentavam-no de maneira amistosa e possivelmente acertavam os relógios de bolso por ele.”

[Heinrich Heine. Contribuição à história da religião e filosofia na Alemanha. (1835/1852). Tradução: Marcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1991, p.90-91]


"Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.
Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.
A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada:
- Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou."

[Lima Barreto. Triste fim de Policarpo Quaresma. Domínio Público, p. 1]

Um comentário:

  1. boa noite, esse assunto é interessante, sou aluno de direito da faculdade objetivo do estado de goias e irei fazer um trablho emvonvendo o filosofo KANT, irei me aprofundar o bastante pra eu e equipe desenvolver um ecelente seminario... um grande abraço

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